segunda-feira, 23 de julho de 2007


Nós que amamos só você, o bom cinema



Por Fabato
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"O cinema é o saneamento básico da alma". Esta frase de Fernanda Torres, que dispensa aplausos e comentários, sintetiza o encantamento que "Saneamento Básico - O Filme", detentor do selo "Jorge Furtado ("Ilha das Flores" e "Meu tio matou um cara") de qualidade", traz na bagagem. Tudo provocado por um cavalar tempero de emoção, sorriso, inventiva, e de uma brejeirice italiana gostosa toda vida, que permeia a trama. Essencialmente, inspirado na comédia Del’Arte, o longa pulveriza o seu comando na mão de quatro protagonistas e grandes atores – a já citada Fernandinha, Wagner Moura, Camila Pitanga e Bruno Garcia – e ainda permite vôos maravilhosos de Paulo José, Lázaro Ramos, Tonico Pereira e Janaína Kremer.
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Marina (La Torres), que, já na abertura, faz um curioso jogo metalingüístico com a platéia (a tônica do que viria pela frente), organiza uma reunião com outros moradores de uma vila na serra gaúcha. Há anos, eles tentam construir uma fossa para eliminar o esgoto a céu aberto. Através de uma espécie de unanimidade brigada, o grupo chega à conclusão de que a obra continua cara demais, e recorrem à prefeitura. Como saneamento básico não é a prioridade do governo local, a única verba disponível reside no dinheiro que Brasília oferece em um concurso de curtas-metragens a novos realizadores. A família de Marina e Joaquim (Wagner Moura) resolve, então, dar asas à produção de um filmete ficcional tratando do tema e, a partir daí, utilizar o dinheiro federal para custear a fossa.
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Mais uma vez, as armas de Furtado estão centradas no desprendimento em digressar sobre o simples. Antes de mais nada, não confundir simplicidade com o zero absoluto do nada. O simples é tudo. E é tudo o que nos delicia no filme. O cerne do enredo encontra-se, portanto, naquilo que é corriqueiro, cotidiano, em um mini-dicionário em que os protagonistas vão buscar o significado da palavra "ficção", no debruçar do jogo dialético de uma simples conversa entre dois adoráveis velhos ranzinzas. Riqueza e felicidade em matéria narrativa da ordem do processual mesmo, não apenas na foz de um gozo The End.
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Há um bocado de cenas históricas. Paulo José, de tão inspirado, quase resolve colocar o filme inteirinho no bolso, e até ensaia um desequilibrar na dança simétrica do quarteto principal. Vê-se, na verdade, um octeto de grandes atuações. Mas tudo, claro, depõe a favor. O que dizer de sua "interpretação" como cientista? E da briga com o personagem de Tonico - fantástico - bem em cima da bendita obra da fossa? A trilha sonora, recheada de clássicos italianos, embala os corações mais derretidos, como o deste pobre escriba arlequinesco. A poesia da seqüência em que o personagem de Wagner vai, possivelmente, à capital, vender a sua moto para ajudar a esposa – tudo isso ao som de Io che amo solo te, no vozeirão do eterno Sergio Endrigo – seqüestra, por segundos, o fôlego e a alma de todos nós.
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O cineasta gaúcho ainda encontra tempo para ironizar o governo – "Devolver dinheiro para Brasília não dá!" – e até mesmo os colegas de sétima arte e ele próprio, que tem no personagem de Lázaro Ramos uma espécie de alter ego. Este, aliás, apresenta nova majestosa interpretação, assim como Camila Pitanga, sem qualquer resquício da Bebel que faria um ano depois (o filme foi gravado em 2006). Bruno Garcia completa o time mostrando segurança, mesmo com a constante mania de dar vida a tipões que se constroem com pitadas dele mesmo e de seu personal sósia americano, "o pentelho" Jim Carrey.
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Diverte e emociona. Na medida.

Como música da semana, Io che amo solo te, para ouvir, sentir e sonhar...
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Io che amo solo te
(Sergio Endrigo)

C'è gente che ha avuto mille cose
Tutto il bene, tutto il male del mondo
Io ho avuto solo te
E non ti perderò
Non ti lascerò
Per cercare nuove aventure
C'è gente che ama mille cose
E si perde per le strade del mondo
Io che amo solo te
Io mi fermerò
E ti regalerò
Quel che resta della mia gioventú

Io che amo solo te
Io mi fermerò
E ti regalerò
Quel che resta della mia gioventú