sábado, 7 de julho de 2007


Uma noite com Roberto Carlos


Por Fabato


Sou réu confesso: Fui ao show de Roberto Carlos. Não que eu não o considere um dos expoentes de nossa música. Ele é, claro. Mas a combinação de fatalismo exagerado, TOC, adorações mórbidas, repertório repetitivo, flores vermelhas salivadas, ombrinhos dançantes e vovozinhas histéricas... Digamos... Não é a mistura mais fantástica deste planeta. Só que estou com uma meta musical ambiciosa - assistir a, pelo menos, um show de todos os artistas brasileiros consagrados em outrora que ainda estão vivos. Afinal de contas, não há como formalizar uma visão para discutir, em bares e afins, sobre Robertos, Ângelas Marias e até Elzas Soares sem vê-los em cena, não é mesmo? Aí reside o meu pressuposto.

Pois bem, acompanhei dois nobres exemplares de fãs do Rei, cujas adorações foram construídas em épocas distintas: Minha mãe e minha avó. Segui as madames na sexta-feira, 29 de junho. A Lêda filha já foi muito apaixonada por Roberto. Atualmente, tem o considerado meio démodé, sobretudo o visual capilar construído por fios e fios de chapinhas incendiárias. Já a matriarca da família, também Lêda, ama o dito “Robertinho”, incondicionalmente. Aplaude, delira, canta junto e ainda o acha “lindo”. Tenho de conversar seriamente com o oftalmologista da velhinha, mas isso fica para depois...

Sentamos os três em uma espécie de minifúndio de oito lugares, que comportava apenas mancebas seculares. Todas acharam “fofo” o fato de um rapaz de 20 e poucos estar assistindo ao espetáculo. Para ganhá-las, de cara, já cheguei com um discurso ensaiado: “Boa noite, meninas!”. Incrível como meninas acima de... Sei lá.... Trintinha, ficam maravilhadas ao serem chamadas de... Meninas! O que dizer daquelas de muitas décadas? É tiro e queda. Todas, como que por encanto, voltaram a ser as moçoilas virginais do verão dos inocentes.

O bafafá na bolsa de apostas do CityBank Hall, o velhusco Metropolitan de guerra, pouco antes de o Rei assumir o palco com o seu terninho azul de meio século, girava em torno de qual música abriria o concerto para a juventude. "Ora, desde sempre ele abre com a indefectível Emoções”, pensei eu, “mas vai que a nova fase mais light do homem o faça emendar um Nirvana na abertura?”. Tudo era possível naquele universo paralelo. O roteiro, entretanto, acabou por ser o que eu imaginara na entrada, quando filei um petisco de uma das adoráveis companheiras de mesa.

Elas, as “garotinhas”, mostraram-se maravilhadas quando o furdunço começou: “Quando eu estou aqui... Eu vivo este momento lindo...”. E eu, claro, comecei a viver aquele momento inquieto. O público de Roberto Carlos, como supunha, há anos e anos vê, exatamente, o mesmo show! E pior: Porta-se, em grande parte dos momentos, como se tudo fosse novidade! Um tipo de brincadeira, inconscientemente, negociada. Roberto finge que se reinventa, o público finge que acredita nisso. E eles “fingem” bem e felizes à beça.

Seguiram-se “Detalhes”, “Cavalgada”, “Outra vez”, todas elas canções munidas de um “ineditismo” assombroso, algumas até mais velhas do que eu. Roberto fazia charme, falava baixinho, sussurrava palavras indecifráveis, levando a vovozada a um transe de urina. Incrível como, a todo instante, rumavam caravanas, como aquelas que o Sílvio Santos adora exaltar, na direção do toalete. De fato, somente litros e mais litros de xixi para dar conta de tamanha emoção.

Em um dado momento, o cantor falou dos problemas psicológicos que enfrentou. Músicas como “Negro gato” e “É preciso saber viver”, ou tinham sido riscadas de seu repertório, ou apareciam capadas de algum verso. No caso desta última, “se o bem e o mal existem”, virara “se o bem e o bem existem”. Bastou Roberto conseguir cantar a letra em sua versão original, quando até brincou que a terapia estava dando certo, para que a casa de shows viesse abaixo. Uma mísera mudança fez o mundo encantado da terceira idade ficar mais florido. E olha que a palavra-mágica e tão desejada tinha sido “mal”. Vai entender...

Mas não resta dúvidas de que “Robertinho” faz bem a elas. E para esta característica devo tirar o chapéu. “Detalhes tão pequenos” dele com os seus súditos, a enormidade já conhecida. Nenhum Rei cultiva tanto tempo de majestade à toa. Há algo, realmente, especial no mito que detesta a cor marrom, que poderia sim passar uma máquina três naquela juba, que pagou mico no episódio do censurar biográfico. Ele é único. Na força que exerce, na breguice chique incorporada ao personagem, nos maneirismos caricatos de noite em motel de beira de estrada.

No final, os acordes de “Jesus Cristo” foram a senha para que a trupe da incontinência urinária mudasse de percurso, indo se reunir próxima ao palco. Bengalas voaram, ceguinhas voltaram a enxergar, centenárias viraram atletas olímpicas, em um inegável encenar pós–moderno do filme “Cocoon”: Hora das flores para a platéia. E olha que não foram poucas. Roberto, no mínimo, fez a limpa em umas três floriculturas. Depois de assistir ao ringue de luta livre que se formou entre a mulherada na disputa pelas rosas vermelhas, ele abraçou o seu maestro, Eduardo Lages, amigo desde o tempo em que tocaram juntos no début da Princesa Isabel, e se curvou para os aplausos.

Era a senha para o fim. O grand finale de um show que, na verdade, sempre volta. Para o bem, o riso e o rejuvenescimento de todos nós.